Com a nova lei aprovada a “loi mannequin” a França promete combater a anorexia entre as modelos e adolescentes. Será que esta ação terá um impacto significante na saúde das mulheres ou simplesmente ser mais uma tentativa insignificante?
Por Alessandra Ivaldi / 2.8.2017
A “loi mannequin”, visando combater a anorexia, acaba de ser implementada na França. Essa doença extremamente perigosa afeta principalmente meninas e jovens que consideram modelos excessivamente magras padrões de beleza a serem seguidos. Vale lembrar que, este é também um problema entre as modelos que, para seguirem suas carreiras são normalmente forçadas a sacrificar suas saúdes físicas e mentais. A anorexia não leva somente a problemas físicos, mas também a efeitos devastadores na mente destas mulheres. Se não tratada propriamente no tempo certo, a doença pode se tornar permanente e nos piores casos levar a óbito.
Uma pesquisa estima que na França em torno de 600.000 adolescentes sofrem com doenças relacionadas a alimentação, sendo 40.000 especialmente com a anorexia. A doença é a segunda maior causa de mortes entre jovens de 15 a 24 anos, perdendo somente para acidentes automobilísticos.
Entre as vítimas da anorexia encontra-se a corajosa ex-modelo Victoire Maçon Dauxerre. Após ter sido humilhada, e até mesmo ter tentado suicídio, ela vem tentando criar uma nova vida publicando livros como seu bestseller sobre a “vida secreta” das modelos. Jamais assez maigre. Journal d’un top model. (‘Nunca magra o suficiente: diário de uma top model) é o título do díario de Victorie no qual ela conta a história de sua dolorosa experiência.
Dauxerre tinha dezessete anos quando ela foi abordada por uma agência de modelos. Eram tempos difíceis para a modelo. Como várias outras meninas de sua idade, o futuro guardava incertezas. Seu sonho era estudar na prestigiosa Universidade Sciences Po, mas infelizmente Victoire não foi aceita. Frágil e sem uma ideia certa do que iria escolher para seu futuro, a menina de apenas dezessete anos foi seduzida pelo glamour do mundo da moda. Sua cabeça estava cheia de sonhos: conhecer lugares incríveis, dinheiro fácil, fama… De qualquer forma, a indústria da moda tinha outras surpresas planejadas para Dauxerre.
Victoire sempre foi uma menina bonita, alta (1.78 metros) e magra… porém não magra o suficiente para caber no tamanho 32 Europeu (Brasil tamanho 35). Isto que deu início ao então pesadelo da modelo. Victoire simplesmente parou de comer, e acabou pesando meros 47 quilos. A modelo passava fome, perdeu grande parte de seu cabelo e se tornou um esqueleto. Entretanto, a moda se provou ser uma droga e não havia como ela se livrar de seu vício. Relembrando estes momentos terríveis, Victoire explica que, quanto mais peso você perde, mais você se sente gorda. A ironia da situação se encontra no fato de que modelos são forçadas a parar de comer, e a maioria das vezes suas fotos são alteradas para que elas se tornem ainda mais magras.
O tempo passou e Victoire se tornou ainda mais desesperada e infeliz até o momento em que ela tomou a decisão extrema de tentar suicídio. Entretanto, a modelo se provou mais forte que outros e conseguiu sobreviver. Agora ela conta a história sem se esquivar. No mundo na moda nem todo mundo tem a chance de contar a verdade. Victoire pôde escrever seu livro, pois abandonou a indústria da moda.
Jamais assez maigre é uma história que se passa em um mundo infernal, onde você é capaz de encontrar modelos que vomitam, tomam laxantes e drogas para se manterem sem comer durante exaustantes semanas de desfiles. Até mesmo esportes são proibidos devido ao “medo” de se desenvolver músculos.
Modelos não podem reclamar. Se uma delas se sente enjoada ou desmaia antes de um desfile, ninguém se atreve a comentar sobre. É uma situação “normal” que não vale a pena discutir. É uma realidade má e hipócrita. Victoire escreve sobre o fato de que ninguém orienta as modelos a não comer. Você simplesmente sabe que deve caber nos vestidos que são entregues a você, o que significa que sua única opção é perder peso. O sistema é criado para que ninguém possa ser acusado de promover anorexia.
Após o abandono deste mundo, Victoire se formou na universidade Sorbonne em Paris onde estudou filosofia. Ela queria “encontrar seu cérebro novamente”, para assim parar de se ver apenas como um corpo. Depois, a ex-modelo foi para Londres onde fez um mestrado em atuação dramática. Agora seu objetivo é dedicar-se ao show business. Dauxerre é ciente quanto ao alto nível de competição, mas a magreza agora não será mais sua única chance de sucesso.
A nova lei francesa declama prevenir tais tragédias contribuindo para o desenvolvimento de uma representação mais saudável do corpo feminino em propagandas. A “loi mannequin”, que foi introduzida durante o governo socialista de François Hollande, foi aprovada em Janeiro de 2016. A lei finalmente foi implementada e hoje representa um ato revolucionário no mundo da moda Francês.
Para participar de desfiles de moda e seções de fotos, modelos agora precisam apresentar um certificado médico, válido até dois anos que confirma o bem estar geral físico. Este certificado toma em conta o índice de massa corporal (IMC), que é derivado da massa e altura de um indivíduo. Segundo a Associação Mundial da Saúde, uma pessoa é considerada abaixo do peso se seu IMC é menor que 18.5.
A nova lei afeta modelos e agencias de modelos de todos os países Europeus que trabalham na França, e vão ocorrer penalidades extremas, ou até mesmo um ano de prisão para aqueles que não respeitarem as normas impostas pela “loi mannequin”.
A lei estará completa no dia 1 de Outubro com a introdução outra norma que impõe que fotos para comerciais com photoshop devem declarar que foram “alteradas digitalmente”.
Com esta lei, a França move na mesma direção que outros países Europeus. A Espanha foi o primeiro país a adotar uma medida similar em Setembro de 2006 quando proibiu-se modelos com o IMC menor que 18 a desfilarem na Pasarela Cibeles, o famoso evento da moda espanhola. Na Itália o mínimo de um IMC de 18.5 foi implementado para modelos que desejam participar da semana de moda de Milão. Até países não europeus estão seguindo a mesma ideia. Em 2013 por exemplo, Israel aprovou uma lei em que modelos devem ter um IMC acima de 18.5 para poderem aparecer em revistas de moda e desfiles.
Entretanto, ainda existem debates sobre a “loi mannequin”. De um lado há os que aprovam a lei, que a consideram um passo importante na luta contra a anorexia; do outro lado encontram-se os inevitáveis críticos, especialmente no mundo da moda. É possível encontrar até mesmo um grande grupo de “céticos”, que pensam que a lei ainda não é boa o suficiente. Na verdade, mulheres ainda são avaliadas muito por sua aparência e a moda não é o único setor que promove este fato. Essa é a razão pela qual não podemos esperar que a “loi mannequin” vá trazer uma mudança radical para a situação.
Ilustrações: Luzie Gerb
Mas o que Victoire pensa sobre esta lei? É claro que a ex-modelo tem sua opinião. Ela vê esta nova lei como o primeiro passo, mas acredita que isto não vai longe o suficiente. Para agencias de modelos é fácil se esquivar das normas impostas pela nova lei. Até mesmo Victoire quando assinou seu contrato deveria ter passado por um exame médico que obviamente nunca ocorreu.
Além disso, Victoire acredita que a luta contra a anorexia, e contra a forma em que a sociedade considera as mulheres, não deveria envolver somente a França. Sendo que a lei só é válida em território Francês, devemos considerar que modelos Francesas podem procurar emprego fora. Apesar de que outros países aprovaram leis similares, estas ações separadas não são o suficiente. A ex-modelo apela por uma ação que abranja toda a Europa, ou até mesmo todo o mundo.
Um passo de cada vez. Primeiro uma modelo “revoltada”, depois um livro, depois uma nova lei… e quem sabe, em um futuro próximo teremos a oportunidade de testemunhar uma ação de toda a Europa.
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