Ela sempre gostou de francês. Por esta simples razão, Eva decidiu candidatar-se a uma escola pública bilingue. Esta mesma razão levou-a à universidade, onde está agora a estudar francês. Por mais trivial que soe, há apenas uns anos atrás Eva não fazia ideia do quanto a sua vida havia de mudar.
Há seis anos atrás, quando Eva Lietavová se preparava para os exames de admissão de um liceu, estava entusiasmadíssima. Cinco anos mais tarde, terminou a escola sentindo que nunca mais lá voltaria. “Imediatamente após a graduação senti, acima de tudo, um grande alívio.” Eva lembra-se dos “anos de liceu”. Tem agora vinte anos, estuda na universidade e, apesar de tudo, nunca voltou as costas ao francês.
Todos os anos centenas de estudantes são aceites em escolas secundárias bilingues na Eslováquia. A educação em línguas estrangeiras atrai adolescentes ambiciosos (e os seus pais), que vêem nelas “melhores” alternativas às escolas normais. O benefício é óbvio : fluência numa língua estrangeira ao nível de um falante nativo. Mas Eva argumenta que estudar numa escola bilingue não tem só benefícios. “Pelo contrário, muito do que a escola me deu também me tirou”. Isto refere-se principalmente ao facto de que a maioria destas escolas são direccionadas às ciências naturais. “Apercebi-me disto no segundo ano. Química e física nunca foram para mim. Especialmente quando ensinadas numa língua estrangeira” explica. Costumava ser uma óptima estudante, com poucas ou nenhumas necessidades de estudar em casa, mas cedo se tornou uma estudante mediana, passando horas com os livros da escola, todos os dias.
Cuida dos manuais, o vocabulário virá depois
Tal é a vida nas escolas bilingues. Os estudantes estão em contacto diário com a língua que escolherem estudar, e também com os professores que são normalmente falantes nativos. Por isso qualquer estudante eslovaco numa escola pública bilingue poderá estudar tal e qual como se estivesse em Inglaterra, Alemanha, Espanha ou França. “Tínhamos um curriculum francês, alguns professores franceses, e manuais, claro” confirma Eva, rindo. “O nosso professor de química lembrava-nos sempre para termos cuidado com eles, porque os franceses não nos iam mandar outros.”
Experienciar uma língua estrangeira diariamente afecta as pessoas mais do que pode parecer à primeira vista. Um estudante numa escola bilingue vive em contacto directo com um contexto cultural diferente sem ter de viajar para o estrangeiro. “Foi algures durante o primeiro ano que reparei pela primeira vez que falo e penso fluentemente em francês.” Lembra-se da sua primeira viagem ao “hexágono” (França). Falar a língua fluentemente não é tudo, porém. “Mesmo hoje tenho problemas em tentar dizer uma receita em francês. No liceu, não dispensávamos muito tempo para o vocabulário” admite Eva. “Dedicávamos imenso tempo, contudo, às ciências naturais” diz ela. Então o que é que a escola bilingue lhe tirou? “Sobretudo tempo. Todas essas horas passadas a estudar biologia ou física, disciplinas a que nunca irei voltar, poderiam ter sido passadas a fazer alguma coisa mais útil para mim. Mas estudando para todos esses testes, nunca havia tempo suficiente para mais nada.”
Eva: Nunca quis ir embora para França
Ela clarifica o quanto estudar numa escola bilingue a influenciou.”O facto de estar agora a estudar francês na universidade não é acidental. O tempo que passei naquela escola afectou-me consideravelmente. Não queres deitar fora esses cinco anos de trabalho árduo.” “Por outro lado, é difícil acreditar, mas provavelmente teria acabado fazendo alguma coisa semelhante, mesmo se tivesse ido para uma escola normal”. Além da língua francesa, Eva também estuda teoria do teatro. “Idealmente, gostaria de relacionar estas duas disciplinas. Se não, posso sempre ensinar, porque gosto muito.” Eva contempla o futuro. Pensa em aprender outra língua mas, paradoxalmente, não uma língua românica. Ela explica porque não foi estudar para França após a graduação como alguns dos seus colegas. “Eu gravito em torno do Norte, não estou interessada em países do Sul de todo. Sou na verdade muito mais “eslava” revela, acrescentando que gostaria de estudar russo.
É maioritariamente de Literatura Francesa que evoca as memórias mais engraçadas. “Estudámos “Rinocerontes” de Ionesco no segundo ano. Não havia qualquer contexto ou informação, nenhum de nós o percebeu” ri-se e lembra-se de como ela e os colegas costumavam entreter-se durante as aulas ao “actuar” as cenas em que os personagens se transformam em rinocerontes. “Tenho a dizer que o livro é muito bom. Tenho vindo a aperceber-me disso, mas não graças às aulas de literatura, definitivamente.” Estudavam principalmente discurso escrito e argumentação sobre vários temas, não literatura como tal. “Éra-nos pedido ler não mais que um livro por ano.” revela Eva.
Eva fala francês como se tivesse nascido em França, mas restam algumas falhas. “Todas as vezes que escrevo “qu’est-ce que c’est” tenho de soletrar primeiro e depois verificar se está escrito correctamente. Depois de todos estes anos! E é provavelmente a primeira coisa ensinada em francês.” admite Eva, com um gozo amargo. “Pelo outro lado, prefiro ler Kundera (Milan Kundera, escritor checo) em francês. Apesar de cinco anos de trabalho árduo, noites passadas a ler manuais, sentindo-se muitas vezes zangada ou chorando, Eva acrescenta que a candidatura que submeteu em 2007 poderá não ter sido uma má decisão. “Não posso dizer com certeza se faria a mesma coisa sabendo como a escola funciona. Pelo menos pensaria mais sobre o assunto.” admite finalmente. Para além do francês, foi-lhe ensinada mais uma coisa – ter empatia. “A solidariedade e simpatia que sinto para com todas as pessoas que estiveram em escolas bilingues, seja em francês, espanhol ou alemão, nunca cessa de existir”, ri-se Eva.
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